Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando. Clarice Lispector

27.1.11

Chuva

   Sussurrei no telefone, “Hoje o céu está mais estrelado do que de costume...”, sussurrei, mas você não ouviu. Muitas palavras saem de minha boca, mas poucas tem som ou sentido o suficiente para você entender. Você não entende, não é? É que eu não posso – e não consigo – ser mais clara, dói não ter todas essas sutilezas minhas. Dói dizer o real, claro e limpo, feito água de chuva mansa. E sempre chove. Chove aqui, dentro, no peito, n’alma. Chove quando você não entende, quando ele não entende, quando só ela me lê, me lê e guarda pra si. Oh, ela é doce, minha protetora e minha protegida. “O que ela quer dizer?”, você nem pensa. Você não entende mesmo, não é? Tudo bem, tudo bem. Vou tentar ser feito água de chuva mansa, mas chove tão forte agora, que está tudo coberto por uma nuvem branca, não! Como serei mais clara se essa chuva me embaça a visão? Não enxergo a mim mesma, não enxergo essas palavras que digo a você, meu protetor. Oh, que medo me dá. É tanto medo que dá vontade de ficar como criança encolhida nas cobertas que fantasia fantasia fantasia. Que tá tudo bem, tudo bem. Que você virá, vai me pegar pela mão e dizer aquelas palavras doces que me disse um dia, lembra? Agora você entende? Aquelas palavras, aquele seu tom de voz, “me deixa cuidar de você, me deixa te proteger”. Não, você não pediu. Foi assim: “quero tanto, mas tanto cuidar de você, quero te proteger”. Acho que você falou de maionese, ou margarina? Margaridas. Não, não faria sentido... Não me lembro direito, eu fantasio tudo que vejo, tudo que passo. Mas você me cuidava, me protegia. Colocava os braços em minha volta... Não digo que fazia no plano real, há uma linha muito tênue entre o real e o imaginado. E essas coisas você fazia aqui, no meu delírio diário de fantasiar suas palavras. Sim, as palavras foram reais, e eu dizia – pensava – “cuida de mim, me protege, cure essas feridas, afasta meus medos, não me deixe partir...” – eu pensava e você não notava, só sentia meu silêncio e minha respiração, sempre ofegante, sempre alerta, suspiros, suspiros... Suspiros dos que não sonham, dos que cansaram de esperar a felicidade estender a mão, suspiro de quem já não tem tanta paz de espírito. Agora está tudo mais claro, veja. Oh, meu bem, como eu queria que você me lesse, cada linha, cada vírgula, cada ponto de exclamação. Mas eu tenho a tendência – a arte? – de fazer as pessoas entenderem o que elas querem entender, mesmo eu dizendo o real limpo e claro, feito a chuva mansa. Ahhhh, essa chuva que já está virando garoa. Fria e úmida. Pobre coração... Alguém há de aquecer um dia. Eu hei de deixar – um dia.

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