Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando. Clarice Lispector

27.2.11

Prosa presa

   A menina pensa... Pena!
   A prosa está presa em teus dedos inquietos, a poesia que não quer ser solta. Poesia leve e sutil, com sinceridade que fere. Fere olhos de quem lê, quando voa. Fere teu peito, quando não se liberta. 
   Vá, menina. Coloca teus versos em um guardanapo de boteco, deixa sobre a mesa, entre corações embriagados e olhos trêmulos. Deixa por lá. Deixa o mundo ler teus versos que não são teus mas de outros pra quem escreve. Deixe o mundo desvendar tua alma complexa, deixa o universo te ler. As estrelas pingarão tuas luzes tranquilas sobre ti, enquanto desvanda teus mistérios. Luzes que riem para ti, que curam tuas marcas antigas.

Caio Fernando Abreu

   Lá está ela, mais uma vez. Não sei, não vou saber, não dá pra entender como ela não se cansa disso. Sabe que tudo acontece como um jogo, se é de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela dispensa. [...] E se ela se afogar, se recupera. [...] E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça – que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca – levanta e segue em frente.

20.2.11

Sinto muito blues - Abril

   Pedaços de papel rasgado em cima da mesa de um bar. Não fume, não beba, não viva, não pense em sonhar. Pedaços de um coração partido em frente a uma carta de amor. Não chore, não ligue, não volte, não ouse me amar.
   Milhas e milhas eu fui percorrer, por milhas eu não soube aonde ir. Às vezes não espero me encontrar, talvez um dia eu te encontre por aí.
   Ah! Eu sinto muito blues...


19.2.11

   As pessoas carregam tantas dores, tantas marcas e nem desconfiamos. Sol quente, cansaço, ônibus cheio com misturas excessivas de suor e mentes exaustas. Uma alma sangra, exalando sua dor pelo corredor fatigado do ônibus. Chove por seus olhos.
   E a única dor que consigo supor para ela é a do amor. Queria meu pensamento focalizando outra coisa que não isso. Sossega coração, não há necessidade de você gritar seu pesar.

15.2.11

Entrelinhas

   Trago no peito, espanto.
  Cada segundo uma dor, uma culpa. Não é mais prazer – nunca fora. Masoquismo, talvez. Mas há uma necessidade. Um grito mudo. Que salta pelos olhos, dedos, narinas, pulmão. Garganta que arde, reprime cada palavra desesperada. Que engulo e exalo silenciosamente. Espanta olhos de quem vê e não compreende. Súplicas do meu coração, que teimo não escutar e calo com cada ato impensado meu.
   Estômago que embrulha. Pensamentos que rodam desesperados. Confusos. Vomitar palavras. Derramar perdões. Calo-me, trago, no peito, dor. A chama desse conflito diário que não quer apagar.

13.2.11

Mancha de vinho

E ela segue ouvindo Chico, e apreciando um vinho tinto.
Enquanto vê a vida passar.
Enquanto vê o seu erro, tão vulgar.
Enquanto tema em não escutar,
as súplicas de seu coração.

Baby, eu queria

Nando Reis 

Baby, eu queria só te ver, hoje
Ver os seus olhos
Sentir o calor intenso das suas mãos
Baby, eu queria
Que você fosse não
Baby, eu queria te dizer, agora
Você vai embora
Levando o vapor e o vento das suas mãos
Baby, eu queria ir nesse avião

Não quero deixar que a tristeza
inunde o meu coração
Prefiro chorar
Com a certeza de que essa paixão
Me fez um homem melhor
Depois de você
Baby, eu queria te beijar, de novo
Sentir os seus lábios
E o sabor no silêncio da respiração
Baby, eu queria
Ser o seu violão

Baby, eu queria ficar com você, pra sempre
Ficar do seu lado
Ser seu amor eterno, sua paixão

Baby, eu só queria
Te dar a mão

12.2.11

Olhos teus

   Todo dia levanto-me para isso que chamam de realidade, chamam de viver. Isso mesmo. V-I-V-E-R.
   Acordar, tomar um banho morno, escovar os dentes, entrar em um ônibus com misturas excessivas de perfumes, ranger de ratos e porcos. E sentar em uma padaria, tomar um café amargo, o sorriso escurecido pelo tabaco e pela dor.
   Todos os dias penso, vejo, sinto. Aqueles olhos negros tão profundos, olhando pra mim, através de mim. Olhos que talvez estejam me enganando. Se iludindo. 
Olhos que não se decidem, que não sei decifrar. Que mergulho sem receio a espera de um sim. “Venha!”.

2.2.11

Caio Fernando Abreu

   "...atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome."
[Dois ou três almoços, uns silêncios. - Pequenas Epifanias.]